A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera
- BrunaSanta
- 17 de jul. de 2022
- 2 min de leitura
A vida é constituída por uma conciliação quase impossível entre dois polos: a leveza e o fardo. Opostos entre si são a justificação para numerosos conflitos e irresolúveis incompreensões. Este romance recordado no eco de cada um de nós transporta-nos para a cruel realidade cuidadosamente delineada por Milan Kundera, um escritor checo, exilado em França perante um cenário de horror da Segunda Guerra Mundial.
Através do interior de quatro personagens principais: Tomas, Tereza, Sabina e Frank, rapidamente constatamos os tempos conturbados de uma sociedade cada vez mais decadente, retratando os valores de uma geração, bem como todo o seu percurso. É simples o modo como, intuitivamente, relacionamos cada anseio, cada conflito e cada aprendizagem dos seus intervenientes com a nossa própria vida, aproximando o leitor do conteúdo e forma da obra. Evidencia, de imediato a inquietação que nos percorre em cada decisão consciente ou inconsciente, infiltrando-se, paulatinamente, no nosso âmago.
Esta obra é, inevitavelmente, transgressora de todas as barreiras morais, culminando numa aceitação inusitada das ações das personagens, apelando à compreensão do seu passado para justificar as suas ambições e os seus projetos que, dada a ocasionalidade do mundo, facilmente, são colocados a uma prova de fogo. Cada passo, cada decisão terá o seu retorno de uma forma mais ou menos singular, mais ou menos presenciada.
“No mundo do eterno retorno, cada gesto tem o peso de uma insustentável responsabilidade.”
Cada um, colocando-se no papel de cada personagem, compreende os conceitos de fardo e leveza, incutindo-nos em todos os instantes a repercussão dos nossos atos e consequente dilema. Todavia, para estas constantes indagações surge uma resposta bastante reconfortante:
“Tudo é vivido imediatamente pela primeira vez e sem preparação.” É, assim, um esboço sem quadro, um autêntico esquisso.
Tereza é perseguida por traumas do seu passado e, curiosamente, terá de os enfrentar no seu presente em situações extremamente semelhantes. Tomas revela uma conduta expectável para a sua geração, ainda que exacerbada pela sua volúpia. Sabina é simultaneamente vítima e responsável pelo seu rumo, tal como a grande maioria das personagens deste romance. Todavia, demonstra, na minha opinião, maior densidade psicológica. Efetivamente, é o elo de ligação entre este quadro de personagens, aspirando a liberdade, resignando-se com as suas consequências. Franz surge num momento mais tardio da vida de Sabina. Deste encontro demorado resulta um “Pequeno léxico de palavras incompreendidas”, uma vez que as suas experiências de vida eram bastante diversas e, consequentemente distintas.
Em suma, A Insustentável Leveza do Ser proporciona reflexões sobre o decorrer da vida e dos objetivos que tanto ambicionamos. Redigida num ambiente opressor das liberdades individuais dos seus cidadãos, revela, com minúcia, questões e dilemas bastante pertinentes na esfera pessoal e na construção da nossa sociedade. Por conseguinte, o distanciamento do passado, nas suas dimensões; a arte e as revoluções na sociedade; a necessidade de afeto e as repercussões nas relações interpessoais; a educação e o papel dos pais no desenvolvimento do indivíduo; a fama e as ações intrinsecamente boas e o kitsch, ou ideal, deixam transparecer a originalidade e a profundidade do mundo preconizada na Insustentável Leveza do Ser humano.
Termino com a impossibilidade de fazer uma descrição fiel à qualidade deste romance, merecedor da vossa atenção.
コメント